quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Casa de Vó




A cabeça da gente tem cada uma...

Hoje pela manhã, achei de querer uma xícara de chá preto. Nada sofisticado, só um chá de saquinho daquele da caixinha vermelha.

Assim que o primeiro vaporzinho subiu, resultado do contato da água quente com o chá, fui envolvido por aquele aroma característico e minha mente viajou.

Viajou até uma época perdida num passado distante, num lugar onde não havia metrô pra chegar, celular ou GPS pra te achar na multidão. Tudo era longe, todas as árvores eram imensas. Todos os adultos eram tão altos!
Me vi entrando numa casa com terraço na frente, chão com aquelas lajotas caprichosamente enceradas com cera vermelha e um quintal imenso, onde dava pra ver um poço, daqueles que tem uma corda presa num balde e uma manivela para içá-lo. Um galinheiro enorme com galinhas, pintinhos, patos, marrecos, um peru e até uma modorrenta tartaruga. Lá no meio, uma grande jaboticabeira com grossos galhos e recoberta pelas indefectíveis bolinhas pretas.

Do lado de fora da casa, havia uma grande mesa, com várias cadeiras onde eu só podia me sentar com ajuda de uma almofada(não alcançava a mesa!).

Depois de sentado em cima de minha já cativa almofada e tentar inutilmente alcançar a lata de biscoitos repleta de "bolacha maria", olhei para trás, para dentro da cozinha e vi a razão dessa viagem ao passado.

Reconheci logo de cara aquela silhueta pequena, com um avental de pano amarrado na cintura, lenço na cabeça de onde escapavam alguns cabelos brancos e um par de óculos de aro grosso. O rosto mulato e envelhecido me sorria de uma maneira que eu só me lembrava dos sonhos ou de velhas fotos em preto e branco.

Vejam vocês, eu estava de volta à casa da Dona Lourdes!

Naquele momento, toda minha segurança acadêmica e cinismo acumulado pelos anos escorreram ralo abaixo. Voltei a ser aquele moleque magricela que não via a hora das férias chegarem para, mais uma vez estar lá e desfrutar das sensações, do cheiro do chá preto e principalmente do abraço daquele ser amado que partiu desta para uma casa com terraço bem maior e mais confortável a mais de vinte anos.

Bebi um último gole do meu chá, e mais uma vez me vi diante da tela do computador.

Vejo cursor piscando e procuro uma forma para terminar esse texto, pensando que houve um tempo em que era feliz e fim. Mas acabo me consolando, tendo a certeza que, na próxima xícara de chá preto voltarei para o abraço calmo e carinhoso de Dona Lourdes.

A cabeça da gente tem cada uma...




Um comentário:

  1. Casa da vovó Lourdes...que saudade...impossível não me emocionar...
    Onde quer que esteja, ela deve estar muito feliz em ser lembrada com tanto carinho.

    ResponderExcluir